Homem da Lei

Um lugar onde eu escrevo o que penso sobre os temas, sem me preocupar com interrupções. "Seja bem vindo à este pedaço levemente egoísta da rede".

Minha foto
Nome:
Local: Micronesia

19.2.18

Mandado de busca e apreensão coletivos - Isso é inconstitucional.

A Folha de São Paulo informa que o governo federal vai pedir, na justiça estadual, a expedição de mandados de busca e apreensão coletivos, identificando a região em que serão autorizadas as buscas domiciliares sem possibilidade de oposição por parte dos proprietários. (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/02/temer-pedira-mandados-coletivos-de-busca-e-prisao-no-rio.shtml)
Basicamente, isso significa que serão criadas, por despacho judicial, áreas onde a proteção constitucional do domicílio não será respeitada sem que exista nenhum motivo contra o direito daquele proprietário em específico.
A origem histórica do mandado de busca e apreensão, com certeza, já se perdeu na poeira do tempo, mas podemos captar sua justificação sem maiores problemas: O mandado de busca e apreensão (rectius, a autorização judicial para invasão de propriedade) é um instrumento que relativiza a proteção constitucional do domícilio que entra em conflito com outro direito, quer seja a guarda de menores (busca e apreensão de menores), a segurança pública (busca e apreensão de pessoas ou documentos nos domicílios da empresa), a proteção à saúde (apreensão de materiais radioativos), dentre outros.
Existindo uma situação onde o direito à inviolabilidade da residência venha a constituir obstáculo injusto à satisfação de outros direitos, o juiz, após analisar o caso concreto, autoriza a parte requerente que invada o domicílio, no caso da negativa continuar existindo, e que realize o ato material de apreender o objeto buscado. É relevante indicar que, após a prática do ato, se encerra a possibilidade de invasão do lugar, consistindo em licença de entrada temporária.
Ou seja, existem alguns requisitos que podem ser resumidos como justa causa à suspensão da inviolabilidade do domicílio: probabilidade da existência de causa fática para a invasão, identificação do espaço onde essa garantia será relativizada e restrição da execução da medida ao minimamente necessário para sua satisfação.
Existe um problema com o pedido de busca em área.
A mesma Constituição Federal que garante a inviolabilidade da residência também excepciona essa garantia nos casos de flagrante delito, desastre ou para prestar socorro ou, durante o dia, com autorização judicial.
O jornal nos informa que o ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que concorda com a iniciativa e que ela não será feita em endereços específicos, mas em zonas, como bairros e ruas.
"Na realidade urbanística do Rio, você muitas vezes sai com um mandado para uma casa e o bandido se desloca. Então, você precisa ter o mandado de busca e apreensão e captura coletiva, que já foi feito em outras ocasiões, para uma melhor atuação das Forças Armadas e das polícias", disse.
A questão é que, se o bandido se desloca, o mandado perde a capacidade exculpante para o executor da medida invadir aquele endereço específico sem repercussões penais e a atividade do executor da medida será avaliada a posteriori, como exemplo a seguir:
Um grupo de policiais chega ao endereço indicado no mandado de busca, isto é, Rua da Amargura,51. Ao ver os policiais, os ocupantes do endereço pulam o muro que divide o terreno com a casa de número 53 da mesma rua para tentar se evadir. Os policiais, então, entram na casa de número 53, não por terem mandado de busca e apreensão, mas em razão do flagrante delito que estão presenciando. O menor dos crimes que pode ser apontado aí é a invasão de domicílio (art. 150 do CP) da casa 53 pelos ocupantes da casa de número 51, o que já justificaria a entrada dos policiais na casa 53, 55 ou qualquer outra residência na qual os ocupantes da casa 51 venham a buscar abrigo da ação policial.
Ora, se a CF permite que qualquer domicílio venha a ser invadido pela polícia em caso de flagrante, qual é o problema de se pedir, antecipadamente, ao juiz essa autorização?
Se a invasão for motivada pelo flagrante delito, a existência desse flagrante delito será considerada para o julgamento da legalidade das provas colhidas, podendo significar a anulação da operação em caso de abuso por parte das forças de segurança. Se a entrada em domicílio alheio foi ilegal, a prova apreendida lá também o é.
A determinação de uma área da cidade em que invadir residências não será considerado ilegal significa carta branca aos executores da medida para agir sem qualquer responsabilização posterior, já que todos os seus atos estarão justificados ab ovo, ainda que, no caso concreto, não tenha existido nenhum motivo fático para a entrada naquele domicílio específico.
Falando em termos de risco versus recompensas, essa autorização prévia aumenta o risco de tortura porque permitirá a invasão de qualquer domicílio, ainda que desconhecido das forças da lei no momento da autorização judicial, bastando existir informações colhidas no momento da diligência para que a invasão, com o beneplácito da lei, possa ocorrer sem que o executor da medida venha a ser responsabilizado pela invasão sem informações prévias.
Se o executor já tem autorização para invadir qualquer casa no perímetro do mandado, a tentação de extrair informações dos moradores com base na coação torna-se muito forte.
Imaginemos que o personagem de ficção "Capitão Nascimento", do filme "Tropa de Elite" tivesse recebido um mandado de busca e apreensão coletivo englobando toda a comunidade na sequência em ele vai procurar o "Baiano", tido como responsável pelo assassinato de seu colega policial.
Iria faltar vassoura.

A criação de zonas de inaplicabilidade da Constituição é perigosa e a banalização da suspensão das garantias fundamentais em nome de um discurso abstrato de lei e ordem é uma política que não traz resultados positivos.
Mas o governo, em especial um governo que deveria ter sido cassado pelo TSE pelo abuso de poder econômico e político consistente no uso de dinheiro desviado de estatais para a campanha em 2014, não está, ao que parece, preocupado com realizar boas políticas, mas em conseguir resultados pirotécnicos que agradem aos eleitores adeptos do lema "bandido bom é bandido morto" que, estranhamente, não alcança os bandidos do dinheiro público, apenas os criminosos que praticam roubos, furtos, estupros e tráfico de drogas.